Em 22 de setembro de 2016, em ato solene no Palácio do Planalto, o presidente golpista Michel Temer e o ministro da Educação Mendonça Filho apresentaram o conteúdo da Medida Provisória nº 746, de 22/09/16, que visa reformular o formato e o conteúdo pedagógico da etapa escolar do ensino médio.
Primeiramente, é preciso destacar o expediente antidemocrático usado pelo governo golpista para tratar de um tema de tamanha relevância social. A medida provisória, que tem força de lei na data de sua publicação e prazo de até 120 dias para aprovação no Congresso, não se encaixa nas condições legais, jurídicas ou morais para esse tema de imensa importância para a vida de milhões de pessoas das atuais e futuras gerações. Na verdade, ela apenas escancara o desejo do atual governo em limitar o acesso da população e das entidades educacionais sobre as decisões em torno da reforma do ensino médio, e a CNTE tomará providências jurídicas para suspender seus efeitos no Supremo Tribunal Federal, o mais brevemente possível.
Sobre o conteúdo, a reforma do MEC tem um objetivo central – reduzir a aprendizagem dos estudantes aos ditames do mercado e fomentar a privatização das escolas e a terceirização de seus profissionais.
Com relação ao currículo, a reforma empobrece o ensino médio retirando (ou não) as disciplinas de artes, educação física, sociologia e filosofia, conforme se anunciou na solenidade governamental e que depois foi retratada não se sabe exatamente porquê. Propõe-se novamente a dicotomia entre formação geral humanística e a profissional, mas vai além, ao propor também a dicotomia entre a base comum nacional e as áreas de ênfases do conhecimento: linguagem, matemática, ciências humanas e naturais e ensino técnico profissional.
Neste sentido, a MP rompe com as diretrizes curriculares nacionais do ensino médio e da educação técnica profissional, que defendem a integração dos currículos escolares, sem distinção de blocos de modo a privilegiar a “interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos”. O parágrafo 2º do art. 8º da Resolução CNE/CEB 2/2012 é taxativo ao dizer que “a organização por áreas de conhecimento não dilui nem exclui componentes curriculares com especificidades e saberes próprios construídos e sistematizados, mas implica no fortalecimento das relações entre eles e a sua contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo planejamento e execução conjugados e cooperativos dos seus professores”.
Contudo, a petulância dos arautos do déspota golpista foi além. Tratou de revogar tacitamente as mencionadas resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), repassando ao MEC, por meio do § 2º do art. 36 (versão da MP), o poder supremo para emanar as diretrizes que devem pautar a construção dos “projetos de vida” dos estudantes e sua “formação sob os aspectos cognitivo e socioemocionais” – veja a carga individualista e limitadora que se pretende lançar sobre os currículos do ensino médio!
Ainda sobre o currículo, e não obstante o problema da dicotomia imposta na MP, é de se imaginar como os sistemas estaduais – que visitam constantemente o MEC com “pires na mão” – conseguirão implementar as áreas de conhecimento específico com a qualidade pretendida pelos estudantes, pais, trabalhadores em educação e sociedade em geral. Talvez por isso a MP tenha sido generosa (ou astuta!) em autorizar aos sistemas de ensino a implementação de uma, e só se possível mais de uma área com ênfase em conhecimentos específicos. Muitos estudantes certamente ficarão sem cursar suas áreas de preferência na escola pública, pois os sistemas de ensino não serão obrigados a oferecerem as cinco áreas de aprofundamento. E como ficarão os jovens nesta situação?
Outra intenção da reforma é reduzir o conhecimento obrigatório dos estudantes do ensino médio público à língua portuguesa e à matemática – únicas disciplinas a serem ministradas obrigatoriamente nos três anos do ensino médio –, a fim de melhorar as notas nos testes estandardizados (nacionais e internacionais) e de quebra fomentar a formação de mão de obra barata e despolitização dos sujeitos (mesmo objetivo da reforma educacional de 1990, porém à época o foco era o ensino fundamental).
Não por acaso, a pretensa reforma do ensino médio se mostra estreitamente alinhada com outras iniciativas retrógradas do governo golpista, a exemplo da Lei da Mordaça, da PEC 241, que limitará as despesas da União em áreas sociais – inclusive na educação –, da privatização das escolas e da terceirização dos profissionais da educação por meio de OSs (e a MP prevê contratar professores por notório saber, sem concurso público), da reforma da previdência e da flexibilização e redução de direitos trabalhistas, comprometendo, portanto, não só os estudantes, mas também os trabalhadores em educação. Ela se insere num projeto político pensado pelas elites para consolidar o poder que perderam por mais de uma década e que não podem correr o risco de perdê-lo novamente.
Com relação a expansão da carga horária, a reforma prevê instituir política (mas na verdade é programa) de repasse de recursos da União diretamente às escolas que implementarem o currículo mínimo e o ensino de tempo integral. Mas nesse ponto há um blefe, pois não existe garantias de que os recursos seguirão de fato para as escolas, tampouco em que quantidade. O § 2º do art. 6º da MP é claro: “A transferência de recursos será realizada anualmente, a partir de valor único por aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Educação.” (grifo nosso)
Extraoficialmente, foi divulgado que até 2018 serão repassados R$ 1,5 bilhão na forma de estímulo aos estados, o que representa menos de 10% da complementação da União ao Fundeb neste ano de 20126 – ou seja, muito pouco dinheiro! Com essa quantia pretende-se atender até 500 mil estudantes em tempo integral, sendo que o investimento per capita por aluno será de R$ 3.000,00, abaixo do praticado em 2016 no Fundeb (R$ 3.561,74).
A privatização e a terceirização das escolas se mostram claras na MP. Primeiro, cria-se mais um segmento profissional (sem necessidade de habilitação) dentro da categoria dos trabalhadores em educação (art. 61 da LDB). Para a contratação desses profissionais bastaria a comprovação de “notório saber”. Depois admite-se o repasse de parte da ajuda federal aos estados para pagamento de bolsas de estudo na rede privada. E por último, ao limitar a “ajuda” da União aos estados em no máximo 4 anos – depois disso os entes estaduais terão que arcar com as despesas integrais das “novas escolas” –, abre-se caminho para as parcerias público-privadas sobretudo pela via já pavimentada das Organizações Sociais.
A MP não se refere ao ensino noturno ou a regulamentação do CAQi e CAQ, como forma de equalizar as condições de acesso, permanência e aprendizagem dos estudantes do ensino médio. Também não aborda outras questões indispensáveis à qualidade, a exemplo da limitação do número de estudantes por sala de aula, do acesso prioritário dos jovens de baixa renda no ensino de tempo integral, da formação e valorização dos profissionais da educação, dentre outras.
A CNTE espera suspender nos próximos dias a eficácia da Medida Provisória, possibilitando a abertura de um debate amplo e democrático com a sociedade a respeito do tema.
Para melhor visualização das alterações pontuais propostas na MP 746, apresentamos o quadro a seguir:
Texto da MP 746 Legislação atual Comentários da CNTE
Art. 1º - Altera o art. 24 da LDB. ..................................................................................................................………………………………
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Parágrafo único. A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, observadas as normas do respectivo sistema de ensino e de acordo com as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação estabelecidos no Plano Nacional de Educação.” (NR) LDB - Art. 24.
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I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
SEM CORRESPONDENTE A reforma pretende ampliar a carga horária anual no ensino médio para 1.400 horas (7 horas diárias em 200 dias letivos), à luz dos objetivos e metas do PNE. Aliás, essa é a única parte em que o Plano Nacional de Educação é citado ou respeitado na MP.
Por outro lado, a redação da MP exclui (ou excluiria) as disciplinas de artes, educação física, filosofia e sociologia do currículo obrigatório do ensino médio, fato que por si só não permite considerar esse modelo como de escola integral, pois parte significativa do desenvolvimento educacional, social, cognitivo e afetivo dos estudantes não estará contemplada. Trata-se, assim, de mecanismo voltado à massificação de competências e habilidades de um currículo mínimo direcionado aos testes padronizados em âmbito nacional e internacional, focado nos interesses do capital.
A exemplo do que tem ocorrido em outras frentes do governo, após o anúncio da retirada das quatro disciplinas acima destacadas do currículo de nível médio, o MEC disse que retificará o texto da MP a fim de mantê-las como parte integrante do currículo comum e da parte diversificada da BNCC. Porém as mesmas não terão destaque frente à predominância dos conteúdos prioritários para o MEC, português e matemática.
Altera o art. 26 da LDB.
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§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do Brasil, observado, na educação infantil, o disposto no art. 31, no ensino fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio, o disposto no art. 36.
§ 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.
§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, sendo sua prática facultativa ao aluno:
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§ 5º No currículo do ensino fundamental, será ofertada a língua inglesa a partir do sexto ano.
§ 7º A Base Nacional Comum Curricular disporá sobre os temas transversais que poderão ser incluídos nos currículos de que trata o caput.
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§ 10. A inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Educação e de homologação pelo Ministro da Educação, ouvidos o Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed e a União Nacional de Dirigentes de Educação - Undime.” (NR) LDB - Art. 26.
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§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.
§ 2o O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.
§ 3o A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:
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§ 5º Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição.
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§ 7o Os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios.
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SEM CORRESPONDENTE As mudanças neste artigo tratam de retirar a obrigatoriedade do ensino da arte e a educação física do currículo do ensino médio (§§ 2º e 3º), mitigando os objetivos definidos na Constituição Federal (art. 205). Porém, o MEC disse que retificará o texto para manter as disciplinas no currículo médio.
A língua inglesa é alçada como obrigatória para o currículo a partir do 6º ano do ensino fundamental (§ 5º), sendo que para o ensino médio essa referência consta do § 6º do art. 36, analisado mais à frente. Ao definir o inglês como língua estrangeira para o ensino fundamental, a reforma extrapola os limites do ensino médio e retrocede na amplitude de direitos dos estudantes que residem em áreas de fronteiras com o continente sul-americano de língua espanhola e a toda a população brasileira que almeja uma união sociocultural mais ativa com nossos vizinhos.
Também com validade para o ensino fundamental, a reforma dispõe sobre a Base Nacional Comum Curricular, que ficará encarregada de apontar os temas curriculares transversais, em substituição aos pré-definidos no § 7º da LDB atual (que não são exaustivos). E somente poderão ser acrescidos componentes obrigatórios à BNCC mediante aprovação do Conselho Nacional de Educação e posterior homologação do MEC, ouvidos o Consed e a Undime.
Art. 1º - Altera o art. 36 da LDB.
O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional:
I - linguagens;
II - matemática;
III - ciências da natureza;
IV - ciências humanas; e
V - formação técnica e profissional.
§ 1º Os sistemas de ensino poderão compor os seus currículos com base em mais de uma área prevista nos incisos I a V do caput.
§ 2º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências, habilidades e expectativas de aprendizagem, definidas na Base Nacional Comum Curricular, será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino.
§ 3º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para a sua formação nos aspectos cognitivos e socioemocionais, conforme diretrizes definidas pelo Ministério da Educação.
§ 4º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e duzentas horas da carga horária total do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensinos.
§ 5º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar integrada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural.
§ 6º Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.
§ 7º O ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio.
§ 8º Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino médio cursar, no ano letivo subsequente ao da conclusão, outro itinerário formativo de que trata o caput.
§ 9º A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação a que se refere o inciso V do caput considerará:
I - a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional; e
II - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade.
§ 10. A oferta de formações experimentais em áreas que não constem do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos dependerá, para sua continuidade, do reconhecimento pelo respectivo Conselho Estadual de Educação, no prazo de três anos, e da inserção no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos, contados da data de oferta inicial da formação.
§ 11. Os conteúdos cursados durante o ensino médio poderão ser convalidados para aproveitamento de créditos no ensino superior, após normatização do Conselho Nacional de Educação e homologação pelo Ministro da Educação.
§ 12. A União, em colaboração com os Estados e o Distrito Federal, estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, considerada a Base Nacional Comum Curricular.
§ 13. Ao concluir o ensino médio, as instituições de ensino emitirão diploma com validade nacional que habilitará o diplomado ao prosseguimento dos estudos em nível superior e demais cursos ou formações que pressuponham o ensino médio.
§ 14. Além das formas de organização previstas no art. 23, o ensino médio poderá ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica, observada a Base Nacional Comum Curricular, a fim de estimular o prosseguimento dos estudos.
§ 15. Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como:
I - demonstração prática;
II - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino;
IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e
VI - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias.” (NR) LDB - Art. 36.
O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;
II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;
III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição.
IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio.
§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;
II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.
§ 2º Revogado
§ 3º Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos.
O art. 36 da LDB, proposto pela MP, altera em profundida a organização curricular do ensino médio.
A nova concepção despreza quase integralmente as diretrizes curriculares nacionais do Conselho Nacional de Educação para o ensino médio e para a educação básica, rompendo com concepções curriculares e impondo limitações à aprendizagem estudantil. E isso explica a razão de o § 3º do art. 36 da MP remeter ao MEC a emanação de diretrizes para o novo currículo do ensino médio, revogando tacitamente a Resolução CNE/CEB nº 2/2012.
O supracitado documento do CNE é diametralmente oposto à formulação atual do MEC, conforme exposto a seguir:
Art. 7º A organização curricular do Ensino Médio tem uma base nacional comum e uma parte diversificada que não devem constituir blocos distintos, mas um todo integrado, de modo a garantir tanto conhecimentos e saberes comuns necessários a todos os estudantes, quanto uma formação que considere a diversidade e as características locais e especificidades regionais
Art. 8º O currículo é organizado em áreas de conhecimento, a saber: I - Linguagens; II - Matemática; III - Ciências da Natureza; IV - Ciências Humanas.
§ 1º O currículo deve contemplar as quatro áreas do conhecimento, com tratamento metodológico que evidencie a contextualização e a interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos.
§ 2º A organização por áreas de conhecimento não dilui nem exclui componentes curriculares com especificidades e saberes próprios construídos e sistematizados, mas implica no fortalecimento das relações entre eles e a sua contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo planejamento e execução conjugados e cooperativos dos seus professores.
Há, portanto, um enorme divisor de águas entre as propostas do CNE e do MEC. A MP 746 pauta a segmentação e empobrecimento da aprendizagem, reduzindo o conhecimento comum dos estudantes.
A CNTE não é contra que o estudante opte por determinadas áreas em sua formação escolar média, mas isso não significa retirar-lhe o direito de acesso a outros saberes fundamentais para sua formação humanística. Esse é o mesmo entendimento da Resolução nº 2/2012 da CEB/CNE.
O § 1º viola direito dos estudantes, pois não obriga os sistemas de ensino a ofertarem todas as áreas do currículo de aprofundamento. E será muito provável que os estudantes de várias regiões com interesse em se aprofundar nas ciências humanas, ou da natureza ou ainda na formação técnica profissional tenham somente como opções as áreas de linguagem e de matemática – aliás, essas são as únicas disciplinas obrigatórias nos três anos do ensino médio. Ou seja: o serviço “a la carte” para as áreas de aprofundamento do conhecimento é incompleto.
Os §§ 2º e 3º retiram o protagonismo das diretrizes curriculares do Conselho Nacional de Educação, que visam organizar nacionalmente a oferta escolar, passando aos sistemas de ensino a responsabilidade de organizar a oferta da BNCC e as áreas específicas. Ao MEC caberá formular a concepção pedagógica para os currículos de ensino médio. E aí reside um grande retrocesso e o autoritarismo doutrinador da nova gestão do MEC.
O § 4º estipula a carga horária máxima de 1.200 horas nos três anos de ensino médio para os conteúdos da BNCC. Isso representa a metade da atual jornada escolar de 800 horas anuais (2.400 no total do ensino médio), porém significará menos de 1/3 da carga horária total de 4.200 horas que se pretende alcançar com a inclusão do parágrafo único no art. 24 da LDB.
O § 5º seria inócuo se o MEC optasse em respeitar as diretrizes curriculares do Conselho Nacional de Educação.
Assim como no ensino fundamental, a língua inglesa torna-se oficial no ensino médio, podendo, de acordo com a disponibilidade de tempo e de recursos dos sistemas de ensino, ser oferecida outras línguas, preferencialmente o espanhol. E tal orientação é no mínimo de mau gosto num continente cercado por povos de língua espanhola e que se pretende (ou pretendia) integrar econômica e culturalmente. Mais uma vez o direito dos estudantes é limitado neste dispositivo da Lei (§ 6º).
O § 7º dá o tom de um dos objetivos do MEC com a reforma, que é melhorar o desempenho dos estudantes nos índices educacionais e testes padronizados (Ideb, Prova Brasil, PISA).
Já o § 8º reafirma a pré-disposição do atual governo em congelar os investimentos para acesso de estudantes no ensino superior, mantendo a grande massa (certamente das classes populares) em cursos opcionais de nível médio, a depender da disponibilidade de vagas pelos sistemas de ensino.
No § 9º o melhor seria observar as diretrizes do CNE para a educação técnica profissional e do ensino médio, a fim de evitar sobreposição de interesses do mercado de trabalho sobre o currículo da educação técnica profissional, que precisa garantir formação ampla, humanística e cidadã aos estudantes.
O § 10 possibilita não haver engessamento dos cursos técnicos, de modo que os tempos para homologação de novos cursos parecem pertinentes, e o § 11 introduz novo conceito de acesso dos estudantes ao ensino superior, que poderá ser uma boa medida desde que o país garanta a expansão de vagas previstas no PNE para o ensino superior, sobretudo para as classes populares. Caso contrário, somente estimulará as escolas conteudistas e os cursinhos pré-vestibulares.
Os §§ 12 e 13 não trazem nenhuma inovação ao que é praticado atualmente, a não ser o fato de incluir os conteúdos da BNCC nos testes de proficiência estudantil.
O § 14 inova na possibilidade da oferta de créditos disciplinares, tal como no ensino superior. As demais formas já estavam contempladas na Resolução CNE/CEB 2/2012. O sistema de crédito, porém, pode acarretar dois problemas: o primeiro, no sentido de maquiar a evasão escolar, pois o estudante pode matricular-se e na sequência trancar a disciplina, mas sua matrícula continuará computada no sistema. Em última análise, esse mecanismo distorcerá os índices do Ideb, que são medidos pela conjugação das notas da Prova Brasil/Saeb e pela evasão. O segundo problema refere-se à possibilidade de extensão indeterminada do período de conclusão do ensino médio, que poderá levar 5, 10 ou mais anos. E isso compromete a qualidade da aprendizagem e incentiva a distorção idade-séria. Por essas razões, a CNTE não concorda com a adoção de créditos disciplinares no ensino médio, devendo ser mantido o caráter da oferta regular em tempo pré-determinado para a conclusão dos cursos, seja na forma presencial ou de EJA.
Por fim, o § 15 lista uma série de experiências, saberes e aptidões dos estudantes para reconhecimento curricular no ensino médio, os quais precisam pautar-se em métodos cuidadosos para não significar perda de conteúdo aos estudantes e aligeiramento da formação.
Altera o art. 44 da LDB.
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§ 3º O processo seletivo referido no inciso II do caput considerará exclusivamente as competências, as habilidades e as expectativas de aprendizagem das áreas de conhecimento definidas na Base Nacional Comum Curricular, observado o disposto nos incisos I a IV do caput do art. 36.” (NR) LDB – Art. 44.
A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
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II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;
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SEM CORRESPONDÊNCIA A inclusão desse parágrafo, determinando a exclusividade das áreas de conhecimento a serem cobradas nos vestibulares das universidades e no ENEM, revela a disposição do MEC em estabelecer um currículo mínimo para aferir as competências dos estudantes do ensino médio, não só nos testes padronizados, mas também no acesso ao ensino superior. E é provável que as universidades se sintam invadidas em suas autonomias, assim como as escolas se sentirão engessadas em seus currículos adestrados.
Altera o art. 61 da LDB.
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IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no inciso V do caput do art. 36. LDB – Art. 61.
Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:
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SEM CORRESPONDÊNCIA A MP flexibiliza a habilitação profissional dos trabalhadores em educação – conquista da Constituição Cidadão de 1988 e da LDB de 1996 – com vistas a atender a demanda de profissionais para atuar sem concurso público nos cursos técnico profissionais. Trata-se de mais uma cunha cravada nos direitos conquistados pelos trabalhadores em educação, lamentavelmente amparada no projeto de privatização das escolas públicas e de terceirização de seus profissionais por meio de Organizações Sociais de direito privado.
Altera o art. 62 da LDB.
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§ 8º Os currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência a Base Nacional Comum Curricular.” (NR) LDB – Art. 62.
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SEM CORRESPONDÊNCIA Tal como se pretende com os currículos escolares e com os exames de ingresso no ensino superior, a BNCC será referência também para os cursos de formação de professores.
Art. 2º - Altera o art. 10 da Lei 11.494 (Fundeb).
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XIV - formação técnica e profissional prevista no inciso V do caput do art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;
XV - segunda opção formativa de ensino médio, nos termos do § 9º do caput do art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996;
XVI - educação especial;
XVII - educação indígena e quilombola;
XVIII - educação de jovens e adultos com avaliação no processo; e
XIX - educação de jovens e adultos integrada à educação profissional de nível médio, com avaliação no processo.
....................................................................................................................................” (NR) FUNDEB – Art. 10 da Lei 11.494.
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XIII - ensino médio integrado à educação profissional;
XIV - educação especial;
XV - educação indígena e quilombola;
XVI - educação de jovens e adultos com avaliação no processo;
XVII - educação de jovens e adultos integrada à educação profissional de nível médio, com avaliação no processo. O artigo visa adaptar os coeficientes de distribuição de recursos do Fundeb à redação da MP, incluindo a segunda opção formativa de ensino que ficará condicionada às condições estruturais e financeiras dos sistemas de ensino, não perdendo de vista que a ajuda federal para a “reforma do ensino médio” tem prazo de validade de no máximo 4 anos, a depender das condições fiscais da União.
Art. 3º. O disposto no § 8º do art. 62 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, deverá ser implementado no prazo de dois anos, contado da data de publicação desta Medida Provisória.
Art. 4º. O disposto no § 4º do art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996, deverá ser implementado no segundo ano letivo subsequente à data de publicação da Base Nacional Comum Curricular.
Parágrafo único. O prazo de implementação previsto no caput será reduzido para o primeiro ano letivo subsequente na hipótese de haver antecedência mínima de cento e oitenta dias entre a publicação da Base Nacional Comum Curricular e o início do ano letivo. AMBOS OS ARTIGOS SEM CORRESPONÊNCIA Os artigos se referem a prazos para a implementação da BNCC como referencial dos cursos de formação de professores e da carga horária dos curriculares escolares.
Esses prazos, que formam o núcleo da reforma do ensino médio, retiram o caráter de urgência da Medida Provisória, devendo a CNTE contestar no Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, esse expediente governamental autoritário e de desprezo do debate público sobre tema de tamanha relevância social.
Art 5º. Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação, a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.
Parágrafo único. A Política de Fomento de que trata o caput prevê o repasse de recursos do Ministério da Educação para os Estados e para o Distrito Federal pelo prazo máximo de quatro anos por escola, contado da data do início de sua implementação.
Art. 6º São obrigatórias as transferências de recursos da União aos Estados e ao Distrito Federal, desde que cumpridos os critérios de elegibilidade estabelecidos nesta Medida Provisória e no regulamento, com a finalidade de prestar apoio financeiro para o atendimento em escolas de ensino médio em tempo integral cadastradas no Censo Escolar da Educação Básica, e que:
I - sejam escolas implantadas a partir da vigência desta Medida Provisória e atendam às condições previstas em ato do Ministro de Educação; e
II - tenham projeto político-pedagógico que obedeça ao disposto no § 4º do art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996.
§ 1º A transferência de recursos de que trata o caput será realizada com base no número de matrículas cadastradas pelos Estados e pelo Distrito Federal no Censo Escolar da Educação Básica, desde que tenham sido atendidos, de forma cumulativa, os requisitos dos incisos I e II do caput.
§ 2º A transferência de recursos será realizada anualmente, a partir de valor único por aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Educação.
§ 3º Os recursos transferidos nos termos do caput poderão ser aplicados nas despesas de manutenção e desenvolvimento das escolas participantes da Política de Fomento, podendo ser utilizados para suplementação das expensas de merenda escolar e para aquelas previstas nos incisos I, II, III, VI e VIII do caput do art. 70 da Lei nº 9.394, de 1996.
§ 4º Na hipótese de o Distrito Federal ou de o Estado ter, no momento do repasse do apoio financeiro suplementar de que trata o caput, saldo em conta de recursos repassados anteriormente, esse montante, a ser verificado no último dia do mês anterior ao do repasse, será subtraído do valor a ser repassado como apoio financeiro suplementar do exercício corrente.
§ 5º Serão desconsiderados do desconto previsto no § 4º os recursos referentes ao apoio financeiro suplementar, de que trata o caput, transferidos nos últimos doze meses.
Art. 7º Os recursos de que trata o parágrafo único do art. 5º serão transferidos pelo Ministério da Educação ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, independentemente de celebração de termo específico.
Art. 8º Ato do Ministro de Estado da Educação disporá sobre o acompanhamento da implementação do apoio financeiro suplementar de que trata o parágrafo único do art. 5º.
Art. 9º A transferência de recursos financeiros prevista no parágrafo único do art. 5º será efetivada automaticamente pelo FNDE, dispensada a celebração de convênio, acordo, contrato ou instrumento congênere, mediante depósitos em conta corrente específica.
Parágrafo único. O Conselho Deliberativo do FNDE disporá, em ato próprio, sobre condições, critérios operacionais de distribuição, repasse, execução e prestação de contas simplificada do apoio financeiro.
Art. 10. Os Estados e o Distrito Federal deverão fornecer, sempre que solicitados, a documentação relativa à execução dos recursos recebidos com base no parágrafo único do art. 5º ao Tribunal de Contas da União, ao FNDE, aos órgãos de controle interno do Poder Executivo federal e aos conselhos de acompanhamento e controle social.
Art. 11. O acompanhamento e o controle social sobre a transferência e a aplicação dos recursos repassados com base no parágrafo único do art. 5º serão exercidos no âmbito dos Estados e do Distrito Federal pelos respectivos conselhos previstos no art. 24 da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.
Parágrafo único. Os conselhos a que se refere o caput analisarão as prestações de contas dos recursos repassados no âmbito desta Medida Provisória, formularão parecer conclusivo acerca da aplicação desses recursos e o encaminharão ao FNDE.
Art. 12. Os recursos financeiros correspondentes ao apoio financeiro de que trata o parágrafo único do art. 5º correrão à conta de dotação consignada nos orçamentos do FNDE e do Ministério da
Educação, observados os limites de movimentação, de empenho e de pagamento da programação orçamentária e financeira anual.
Art. 13. Fica revogada a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005.
Art. 14. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação. SEM CORRESPONDÊNCIA Embora seja denominada política de fomento, a característica da ação governamental é predominantemente de programa com foco restrito e tempo limitado.
A medida trata de apoio financeiro da União diretamente às escolas de ensino médio que implementarem a jornada de tempo integral e adaptarem seus currículos aos ditames da MP – com base comum restrita e com opções de ênfases de estudos específicos em uma das 5 áreas definidas nos incisos do caput do art. 36 da LDB.
O MEC se responsabiliza em fornecer ajuda em até no máximo 4 anos contados da publicação da PEC. Depois disso caberá às redes de ensino arcarem com as despesas.
Os valores a serem repassados às escolas dependerão de disponibilidade financeira do MEC e do FNDE, sem garantias de perenidade.
Um regulamento será criado para orientar a distribuição dos recursos, que só poderão ser acessados por escolas que implantarem a jornada de tempo integral após a vigência da MP, o que exclui as partícipes do programa Mais Educação.
Segundo informações extraoficiais veiculadas na imprensa, até 2018, o MEC pretende repassar R$ 1,5 bilhão às escolas, visando atender 500 mil matrículas. O valor corresponde a menos de 10% da contribuição da União ao Fundeb (estimada em R$ 11,3 bilhões em 2016) e pode chegar a um investimento per capita de R$ 3.000,00 por aluno, inferior aos R$ 3.561,74 praticados pelo Fundeb neste ano de 2016.
Traçando paralelo com a década de 1990, com a experiência do Fundo do Ensino Fundamental (Fundef), a União lança novamente um programa que visa sua desresponsabilização com as metas de inclusão no ensino médio, transferindo a total responsabilidade aos estados, que após o quarto ano terão de seguir financiando sozinhos as novas estruturas de ensino médio, ou buscar parcerias privadas para dar seguimento ao projeto. E esse é o grande “pulo do gato” do programa: abrir caminho para a privatização do ensino médio, assim como se pretende para as demais etapas da educação básica (através de OSs) e para o ensino superior.
Neste sentido, é impossível vislumbrar qualquer relação deste programa de “fomento” com a meta 3 do Plano Nacional de Educação e suas respectivas estratégias, tendo o mesmo um caráter meramente transitório, propagandístico e de cunho reducional tanto dos investimentos quanto da matriz curricular do ensino médio.